A Chefona observa tudo pela sua janela. Ela não se mexeu daquele lugar, diante daquela janela, durante três horas inteiras, nem mesmo para almoçar. O chão da enfermaria fica livre de mesas e, à uma hora, o médico sai do consultório, no fundo do corredor, cumprimenta a enfermeira com um aceno de cabeça ao passar por onde ela está, observando pela janela, e se instala em sua cadeira, um pouco à esquerda da porta. Os pacientes sentam-se em seguida; e aí as enfermeirinhas e os internos vêm entrando um a um. Quando todo mundo está sentado, a Chefona se levanta por trás da janela e vai até os fundos da Sala de Enfermeiras, até aquele painel de aço, com controles e botões, liga uma espécie qualquer de piloto automático para dirigir as coisas enquanto ela estiver fora e sai para a enfermaria, trazendo o diário e um punhado de anotações. O uniforme dela, mesmo depois de ela ter estado ali durante a metade de um dia, ainda se conserva tão duro de engomado que não se dobra exatamente em lugar algum; estala e se parte nas juntas com um som como o de uma lona congelada ao ser dobrada.
Ela se senta bem à direita da porta.
Tão logo ela se acomoda, o velho Pete Bancini desliza, ficando de pé, e começa a sacudir a cabeça e a ofegar.
– Estou cansado. Ufa. Oh, Senhor. Oh, estou muito cansado… – ele sempre faz assim, toda vez que aparece um cara novo na ala que possa ouvi-lo.
A Chefona nem olha para o Pete. Está examinando os papéis na sua cesta.
– Alguém vá sentar-se ao lado do Sr. Bancini – diz ela. – Acalme-o de maneira a que possamos começar a reunião.
Billy Bibbit vai. Pete virou a cabeça, ficando de frente para McMurphy, e está balançando a cabeça de um lado para outro, como um sinal luminoso de cruzamento de estrada de ferro. Ele trabalhou numa estrada de ferro durante 30 anos; agora está realmente acabado, mas sua memória ainda funciona.
– Tô can-sa-a-do – diz ele, balançando a cabeça para McMurphy.
– Vamos com calma, Pete – diz Billy, pondo a mão sardenta sobre seu joelho.
– … muito cansado…
– Eu sei, Pete – dá uma palmadinha no joelho descarnado de Pete, e Pete levanta a cabeça, percebendo que hoje ninguém vai prestar atenção à sua queixa.
A enfermeira tira o relógio de pulso e olha o relógio da enfermaria, dá corda no relógio de pulso e o coloca virado para ela, na cesta. Pega uma pasta.
– Agora. Vamos dar início à sessão?
Olha em volta para ver se mais alguém está disposto a interrompê-la, sorrindo sempre, enquanto sua cabeça se vira no colarinho. Ninguém enfrenta o olhar dela; estão todos procurando algo nas unhas. Exceto McMurphy. Ele arranjou uma poltrona num canto, está sentado como se tivesse tomado posse dela definitivo. Está observando todos os movimentos dela. Ainda conserva o gorro, bem enterrado na cabeça ruiva, como se fosse um corredor de motocicleta. Um baralho no seu colo se abre para um corte de uma só mão, então se fecha com um estalo, um som alto ampliado pelo silêncio. Os olhos em movimento da enfermeira se detêm sobre ele por um segundo. Ela o esteve observando enquanto jogava pôquer durante a manhã inteira e, embora não tenha visto dinheiro trocar de mãos, desconfia que ele não seja exatamente do tipo que vá ficar satisfeito com o regulamento, que estabelece que só se pode apostar fósforos. O baralho se abre com um farfalhar e se fecha novamente com um estalo, e então desaparece em algum lugar numa daquelas manobras.
A enfermeira torna a olhar para o relógio e tira um pedaço de papel da pasta que tem nas mãos, olha para o papel e torna a colocá-lo na pasta. Põe de lado a pasta e apanha o livro de registro diário. Ellis tosse lá do seu lugar na parede; ela espera até que ele pare.
– Bom. No encerramento da sessão de sexta-feira… estávamos discutindo o problema do Sr. Harding – com relação à sua jovem esposa. Ele declarou que a esposa era extremamente bem servida de busto e que isso o deixava pouco à vontade, porque ela atraía os olhares dos homens na rua. – Ela começa a abrir o livro em determinados lugares; pedacinhos de papel para marcar as páginas saem do alto da lombada do livro. – De acordo com as notas registradas no livro por vários pacientes, o Sr. Harding foi ouvido ao comentar que ela "dá todas as razões para que os bastardos olhem". Também foi ouvido ao dizer que ele poderia ter dado a ela motivos para buscar outras atenções sexuais. Ele foi ouvido ao comentar "a minha esposa querida e doce, mas analfabeta, acha que qualquer palavra ou gesto, que não despertar num estalo uma admirável força física e fantástica brutalidade, é uma palavra ou um gesto de um janota fraco". – Continua a ler o livro em silêncio durante alguns instantes, depois o fecha. – Ele também declarou que o grande busto da esposa às vezes lhe dava um sentimento de inferioridade. É tudo. Alguém está disposto a explorar esse assunto mais um pouco?
Harding fecha os olhos, e ninguém mais diz nada. McMurphy olha em volta examinando os outros, esperando para ver se alguém vai responder à enfermeira, então ergue a mão e estala os dedos, como um colegial numa sala de aulas; a enfermeira volta a cabeça para ele.
– Sr., ah, McMurphy?
– Explorar o quê?
– Quê? Explorar…
– A senhora perguntou, acho, "alguém está disposto a explorar"…
– Explorar o… assunto, Sr. McMurphy, o assunto do problema do Sr. Harding com a esposa.
– Ah. Pensei que se referisse a explorar o caso dela… uma outra coisa.
– Ora, mas o que poderia…
Mas ela pára. Quase ficou desconcertada por um segundo. Alguns dos Agudos escondem sorrisos, e McMurphy se espreguiça longamente, boceja, pisca o olho para Harding. Então a enfermeira, na maior calma, põe o livro de volta na cesta, tira uma outra pasta, abre-a e começa a ler.
– McMurphy, Randle Patrick. Internado pelo Estado, vindo da Colônia Correcional de Pendleton. Para diagnóstico e possível tratamento. Trinta e cinco anos de idade. Solteiro. Cruz de Distinção em Serviço na Coréia, por liderar uma fuga num campo de prisioneiros comunista. Em seguida, expulsão desonrosa por insubordinação. Segunda por uma série de rixas de rua, brigas de bar, e uma série de prisões por bebedeira, tentativa de agressão de fato, por perturbação da ordem, por contumácia em jogos ilícitos, e uma prisão… por estupro.
– Estupro? – O médico deu um salto.
– Estatutório * , com uma moça de…
– Chega! Eles não conseguiram sustentar a acusação no tribunal – diz McMurphy para o médico. – A garota se recusou a testemunhar.
– Com uma criança de 15 anos.
– Ela disse que tinha dezessete, doutor, e estava querendo mesmo.
– Um exame médico de corpo de delito na criança constatou penetração, penetração repetida, o auto declara…
– Estava querendo tanto, de verdade, que eu dei para costurar as calças para mantê-las fechadas.
– A criança se recusou a testemunhar, a despeito do que o médico descobriu. Parece que houve intimidação. O acusado deixou a cidade logo depois do julgamento.
– Puxa, cara, eu tinha de ir embora. Doutor, deixa que eu lhe conte – ele se inclinou para a frente com um cotovelo no joelho, baixando a voz para o médico do outro lado da sala. – Aquela pestinha danada teria acabado realmente me reduzindo a farrapos, quando completasse os 16 anos estabelecidos pela lei. Ela chegou a um ponto em que andava sapateando em cima de mim e me deixando exausto no chão.
A enfermeira fecha a pasta e a entrega ao médico além da porta.
– A nossa nova Admissão, Dr. Spivey – exatamente como se tivesse um homem dobradinho ali dentro daquele papel amarelo e pudesse passá-lo adiante para ser examinado. – Pensei em pô-lo ao corrente do dossiê dele mais tarde, hoje, mas uma vez que ele parece insistir em se afirmar na Sessão de Grupo, poderíamos muito bem cuidar do caso dele agora mesmo.
O médico tira os óculos de dentro do bolso do paletó, puxando o cordão, ajeita-os no nariz diante dos olhos. Estão meio inclinados para a direita, mas ele vira a cabeça para a esquerda e os equilibra. Está sorrindo de leve, enquanto vai folheando a pasta, tão deliciado com a maneira impudente de falar desse cara novo quanto o resto de nós, mas, exatamente como o resto de nós, tem cuidado para não se deixar descontrolar e rir. O médico fecha a pasta quando chega ao fim, e coloca os óculos de volta no bolso. Olha para onde McMurphy ainda está inclinado em sua direção, do outro lado da sala.
– O senhor não tem… parece… nenhuma outra história psiquiátrica, Sr. McMurry?
– McMurphy, doutor.
– Ah? Mas eu pensei… a enfermeira estava dizendo…
Ele torna a abrir a pasta, puxa os óculos, examina novamente o dossiê por mais um minuto antes de fechá-lo, e recoloca os óculos no bolso. – Sim. McMurphy. Está certo. Desculpe-me.
– Não tem importância, doutor. Foi a senhora ali quem começou, ela se enganou. Já conheci gente que era dada a isso. Eu tinha um tio que se chamava Hallahan, e numa ocasião ele andou com uma dona que ficava dando uma de que não conseguia lembrar-se do nome dele direito, e o ficava chamando de Hooligan só para chatear. Isso durou meses, antes que ele a fizesse parar. Também a fez parar de uma vez.
– Ah? Como foi que ele a fez parar? – perguntou o médico.
McMurphy sorriu e esfregou o nariz com o polegar.
– Ah, ah, agora isso eu não posso contar. Mantenho o método do tio Hallahan em segredo absoluto, o senhor sabe, para o caso de eu mesmo precisar utilizá-lo um dia. Disse isso direto para a enfermeira. Ela sorri de volta e ele olha para o médico.
– Agora, o que era que o senhor estava perguntando a respeito do meu dossiê, doutor?
– Sim. Eu estava querendo saber se o senhor teve alguma experiência psiquiátrica anterior. Análise, algum tempo passado numa outra instituição qualquer?
– Bem, contando prisões estaduais e municipais…
– Instituições psiquiátricas.
– Ah. Não, se o caso é esse. Esta é a minha primeira viagem. Mas eu sou louco, doutor. Juro que sou. Bem aqui… deixa que lhe mostre, aqui. Acho que aquele outro médico na colônia penal…
Ele se levanta, enfia o baralho no bolso da jaqueta e atravessa a sala para se inclinar por sobre o ombro do médico e folhear a pasta no seu colo. – Acho que ele escreveu alguma coisa aqui atrás em algum lugar…
– Sim? Eu deixei passar. Só um momento. – O médico torna a puxar os óculos, coloca-os e olha para onde McMurphy está apontando.