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PARTE III

Depois daquilo, as coisas seguiram à maneira de McMurphy durante um longo período. A enfermeira estava esperando a vez dela, até que lhe ocorresse uma outra idéia que a poria novamente no topo. Ela sabia que havia perdido uma grande rodada e que estava perdendo outra, mas não estava com pressa. Para começar, não pretendia recomendar a liberação; a briga podia continuar enquanto ela quisesse, até que ele cometesse um erro ou até que simplesmente amolecesse, ou até que ela pudesse inventar alguma tática nova que a poria de volta no topo, diante dos olhos de todo mundo.

Muita coisa aconteceu antes que ela aparecesse com a nova tática. Depois que McMurphy foi tirado do que se pode chamar de breve período de licença, e anunciou que voltara à briga ao quebrar a janela particular dela, ele tornou as coisas na enfermaria bastante interessantes. Participava de todas as sessões, todas as discussões – falando arrastado, piscando, brincando com a graça de que era capaz para arrancar uma risada, por fraca que fosse, de algum Agudo que tinha medo de rir desde os 12 anos. Reuniu um grupo suficientemente grande para formar um time de basquete, e de alguma forma convenceu o médico a deixá-lo trazer uma bola do ginásio para que o time se habituasse a manejá-la. A enfermeira foi contra, disse que dali a pouco eles estariam jogando futebol na enfermaria e jogos de pólo para cima e para baixo no corredor, mas o médico, pela primeira vez, manteve-se firme e disse que os deixassem em paz.

– Um número considerável dos jogadores, Srta. Ratched, vem mostrando um nítido progresso desde que o time de basquete foi organizado; acho que isso já está comprovando o valor terapêutico.

Ela olhou para ele durante algum tempo com perplexidade. Então, ele também estava fazendo um pouquinho de ginástica… Ela prestou atenção ao tom da voz dele, para mais tarde, quando a hora dela viesse de novo, e apenas assentiu, indo sentar-se na Sala das Enfermeiras, junto aos controles do seu equipamento. Os serventes haviam posto um papelão na esquadria acima da mesa até que pudessem colocar uma outra vidraça. Ela ficava sentada, atrás do papelão, todo o dia, como se aquilo nem estivesse ali, como se ainda pudesse ver perfeitamente a enfermaria. Atrás daquele quadrado de papelão ela parecia um quadro virado para a parede.

Ela esperou, sem comentários, enquanto McMurphy continuava a correr de manhã pelos corredores, com seus calções de baleias brancas, ou atirava moedas nos dormitórios, ou corria para cima e para baixo no corredor tocando um apito niquelado, ensinando aos Agudos a partida rápida da porta da enfermaria até a Sala de Isolamento, na outra extremidade, a bola martelando no corredor como tiros de canhão e McMurphy berrando como um sargento: "Raça, seus mariquinhas, raça!"

Quando um dos dois falava com o outro, era sempre com a maior polidez possível. Ele pediu a ela com toda a educação se podia usar a caneta dela para escrever um pedido de Saída Desacompanhada do hospital. Escreveu bem ali na frente dela, na mesa dela, e lhe entregou o pedido e a caneta ao mesmo tempo, com um gentil "obrigado". Ela olhou para ele e disse, com toda a polidez quanto podia, "vou discutir o assunto com o pessoal", o que levou, talvez, uns três minutos, e voltou para dizer a ele que realmente sentia muito, mas uma saída não era considerada terapêutica naquela ocasião. Ele tornou a agradecer e, saindo da Sala das Enfermeiras, soprava o apito suficientemente alto para quebrar janelas a milhas de distância. "Treinem, seus mariquinhas, apanhem aquela bola e vamos tratar de suar a camisa."

Ele já se encontrava no hospital há um mês, tempo suficiente para assinar o quadro de avisos do corredor, requisitando uma audiência na Sessão de Grupo sobre uma Licença de Saída com Acompanhante. Foi até o quadro de avisos com a caneta da enfermeira e escreveu sob PARA SER ACOMPANHADO POR: "Uma garota de Portland que eu conheço, chamada Candy Starr." – e estragou a pena da caneta ao colocar o ponto. O pedido de saída foi apresentado na Sessão de Grupo, alguns dias depois, no mesmo dia, de fato, em que os operários puseram um vidro novo na janela defronte à mesa da Chefona… Depois que o seu pedido foi recusado com base no fato de que aquela Srta. Starr não parecia ser uma pessoa das mais responsáveis para que um paciente pudesse sair com ela, ele encolheu os ombros e disse que achava que era por causa do jeito como ela rebolava. Levantou-se e foi andando até a Sala das Enfermeiras, para a janela que ainda tinha o rótulo da vidraçaria, embaixo num canto, e novamente enfiou o punho através dela. Explicou à enfermeira, enquanto o sangue lhe escorria dos dedos, que tinha pensado que haviam tirado o papelão e que a esquadria estava vazia.

– Quando foi que eles enfiaram esse maldito vidro aí? Porra, essa coisa é um perigo!

A enfermeira fez um curativo na mão dele enquanto Scanlon e Harding buscavam o papelão no meio do lixo e tornavam a prendê-lo na esquadria, usando fita adesiva do mesmo rolo com que a enfermeira fazia o curativo no pulso e nos dedos de McMurphy. McMurphy estava sentado num banco, fazia caretas horríveis enquanto seus cortes eram tratados, piscando ao mesmo tempo para Scanlon e Harding por sobre a cabeça da enfermeira. A expressão do rosto dela era calma e vazia, mas a tensão começava a aparecer em outras atitudes. Na maneira como apertava o adesivo o mais que podia, mostrando que a sua paciência já não era mais o que costumava ser.

Começamos a ir ao ginásio e assistir ao nosso time de basquete – Harding, Billy Bibbit, Scanlon, Fredrickson, Martini e McMurphy sempre que sua mão parava de sangrar por tempo suficiente para que ele entrasse no jogo – jogar contra o time dos ajudantes. Os nossos dois crioulos maiores jogavam pelos ajudantes. Eram os melhores jogadores no campo, correndo juntos para cima e para baixo como um par de sombras de calções vermelhos, fazendo uma cesta atrás da outra, com uma precisão automática. O nosso time era muito baixo, lento demais, e Martini ficava fazendo passes para homens que ninguém via a não ser ele. Os ajudantes nos venceram por 20 pontos. Mas aconteceu uma coisa que fez com que a maioria de nós saísse com a sensação de que, de alguma forma, tinha havido uma espécie de vitória: numa disputa pela bola o nosso crioulo grande, Washington, levou uma porrada com o cotovelo de alguém, e o seu time teve de segurá-lo enquanto ele se esforçava para partir para cima de McMurphy que, sentado na bola, não prestava a menor das atenções ao crioulo enfurecido, o sangue a escorrer-lhe vermelho do narigão pelo peito abaixo, como tinta derramada num quadro-negro, e berrando para os que os seguravam: "Ele pedindo! O filho da puta tá pedindo porrada!"

McMurphy escreveu mais bilhetes para serem encontrados pela enfermeira na latrina. Escreveu histórias incríveis a respeito de si mesmo no livro diário e as assinou como Anon. Às vezes ele dormia até as oito horas. Ela o repreendia sem o menor vigor, e ele ficava ali e ouvia até que ela acabasse; então, destruía todo o efeito perguntando algo como qual o tipo de soutien que ela usava.

Os outros Agudos estavam começando a seguir-lhe o exemplo. Harding começou a flertar com todas as estudantes de enfermagem, e Billy Bibbit desistiu por completo de escrever o que costumava chamar de suas "observações" no livro diário. Quando a vidraça da janela tornou a ser recolocada, com um grande X riscado com cal, para garantir que McMurphy não tivesse desculpa para não saber que estava lá, Scanlon acabou com ela, acidentalmente, atirando nossa bola de basquete através do vidro, antes mesmo que a cal tivesse secado. A bola estourou e Martini a apanhou do chão como se fosse um passarinho morto, levando-a até a enfermeira, na sala, onde ela olhava para o novo monte de cacos de vidro espalhados sobre a mesa. Pediu se ela não podia, por favor, consertá-la com fita adesiva, fazê-la ficar boa de novo. Sem dizer uma palavra, ela a arrancou das mãos dele e a atirou no lixo.

Assim, com a temporada de basquete obviamente terminada, Murphy decidiu que pescar é que era uma boa. Requisitou um outro passe de saída, depois de dizer ao médico que tinha uns amigos na baía Siuslaw, em Florence, que gostariam de levar oito ou nove pacientes para uma pescaria em alto-mar, se o pessoal do hospital estivesse de acordo. Ele escreveu na lista de pedidos no corredor que, dessa vez, seria acompanhado por "duas doces tias velhinhas que vinham de um lugarzinho nos arredores da Cidade de Oregon". Na sessão, sua licença de saída foi concedida para o fim de semana seguinte. Quando a enfermeira acabou de anotar oficialmente a licença dele no livro, meteu a mão no cesto de vime junto a seus pés e tirou um recorte que ela havia tirado do jornal daquela manhã, e leu em voz alta que, embora as pescarias ao largo da costa do Oregon, estivessem tendo um ano excelente, os salmões vinham aparecendo bem tarde na temporada e o mar estava forte e perigoso. Ela sugeriu que os homens pensassem um pouco naquilo.

– Boa idéia – disse McMurphy. Fechou os olhos e respirou fundo através dos dentes. – Sim senhor! O cheiro salgado do mar ondulante, a batida da proa contra as ondas… o desafio aos elementos, quando os homens são homens e os barcos são barcos. Srta. Ratched, a senhora me convenceu. Vou telefonar e alugar o barco hoje à noite mesmo. A senhora também quer ir?

Em vez de responder, ela foi até o quadro de avisos e prendeu ali o recorte de jornal.

No dia seguinte, ele começou a fazer a inscrição dos que queriam ir e que tinham 10 dólares para o aluguel do barco. A enfermeira começou a trazer, repetidamente, recortes de jornais que falavam a respeito de barcos afundados e de tempestades repentinas na costa. McMurphy pôs-se a zombar dela e de seus recortes de jornais, dizendo que as suas duas tias haviam passado a maior parte da vida saltando por sobre as ondas de um porto para outro, com este ou aquele marinheiro, e ambas garantiam que a viagem era tão tranqüila como uma torta, segura como um pudim, sem nada com que se preocupar. Mas a enfermeira conhecia bem seus pacientes. Os recortes os assustaram mais do que McMurphy imaginara. Ele calculara que haveria uma corrida para a inscrição, mas teve de conversar e persuadir com adulações para conseguir uns poucos. Na véspera da viagem, ele ainda precisava de mais dois sujeitos, para cobrir o aluguel do barco.

Eu não tinha o dinheiro, mas fiquei com aquela idéia na cabeça de que queria assinar a lista. E quanto mais ele falava sobre pescaria de salmão chinook, mais eu queria ir. Sabia que era uma coisa idiota querer aquilo; se eu assinasse seria a mesma coisa que sair e dizer a todo mundo que eu não era surdo. Se eu ouvira toda aquela conversa sobre barcos e pescaria, isso mostrava que estivera ouvindo tudo mais que fora dito em confiança na minha presença durante os últimos 10 anos. E se a Chefona descobrisse que eu havia ouvido todas as tramas e traições que haviam planejado quando ela achava que não havia ninguém ouvindo, ela me caçaria com uma serra elétrica, e trataria de mim até ter certeza de que eu estivesse realmente surdo e mudo. Por mais que quisesse ir, pensar naquilo ainda me fazia sorrir um pouco: eu tinha de continuar fingindo que era surdo, se quisesse ouvir mesmo.

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