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McMurphy tinha marcas vermelhas na cabeça e nos ombros, mas não parecia estar ferido. Continuou a arremeter, levando 10 golpes para cada um que acertava. Continuou assim, para trás e para a frente na sala do chuveiro, até que o crioulo estava arquejando, cambaleando e se esforçando principalmente para se manter fora do caminho daqueles braços vermelhos massacrantes. Os caras gritavam para que McMurphy o derrubasse. McMurphy não se apressou.

O crioulo se desviou de um golpe no ombro e olhou depressa para os outros dois que observavam.

– Williams… Warren… que diabo!

O outro grandalhão afastou o grupo e agarrou McMurphy pelos braços, por trás. McMurphy o sacudiu como um touro sacode um macaco, mas ele continuou ali.

Então, eu o arranquei dali e o atirei no chuveiro. Ele estava cheio de tubos; não pesava mais do que cinco ou dez quilos.

O crioulo menor girou a cabeça de um lado para o outro, voltou-se e correu para a porta. Enquanto eu o observava ir, o outro saiu do chuveiro e me imobilizou com um golpe de luta livre – os braços sob os meus, por trás, e as mãos enlaçadas atrás do meu pescoço – e eu tive de correr de costas para dentro do chuveiro e esmagá-lo contra os ladrilhos, e enquanto estava ali deitado na água, tentando ver McMurphy arrebentar mais algumas costelas de Washington, o que estava atrás de mim começou a me morder o pescoço e tive de quebrar o aperto dos seus braços. Então ele ficou quieto, a goma escorrendo do uniforme e descendo pelo ralo gorgulhante.

E quando o crioulo menor voltou correndo, com correias e algemas e mais quatro ajudantes da Enfermaria dos Perturbados, todo mundo estava se vestindo e apertando a minha mão e a mão de McMurphy e dizendo que aquilo tinha de acontecer, mais cedo ou mais tarde, e que briga fantástica havia sido, que vitória tremendamente grande. Continuaram falando daquele jeito, para nos animar e para fazer com que nos sentíssemos melhor, sobre que briga incrível, que vitória – enquanto a Chefona auxiliava os ajudantes dos Perturbados a colocarem aquelas algemas de couro macio de maneira a se ajustarem em nossos braços.

Lá em cima na Enfermaria dos Perturbados há um eterno chocalhar estridente de sala de máquinas, uma fábrica de prisão imprimindo placas para licenças de automóvel. E o tempo é medido pelo di-doc, di-doc de uma mesa de pingue-pongue. Homens caminhando por suas rotas de fuga pessoais vão até uma parede, encostam o ombro; se viram e andam de volta para uma outra parede, batem o ombro e se viram novamente, passos curtos e rápidos, caminhando pelos sulcos cruzados no chão de ladrilhos, com um olhar desvairado. Há um cheiro queimado de homens que o medo levou à fúria e à perda do controle, e nos cantos e debaixo da mesa de pingue-pongue há coisas abaixadas rangendo os dentes, que os médicos e enfermeiras não vêem e que os ajudantes não conseguem matar com desinfetante. Quando a porta da ala se abriu, senti aquele cheiro de queimado e ouvi aquele ranger de dentes.

Um sujeito velho, alto e ossudo, pendurado num arame preso entre os ossos de seus ombros, veio receber-nos, a McMurphy e a mim, na porta, quando os ajudantes nos trouxeram para dentro. Ele nos examinou de alto a baixo com os olhos amarelos, escamados, e sacudiu a cabeça.

– Eu lavo as minhas mãos quanto a todo esse negócio – disse ele a um dos ajudantes negros, e o arame o arrastou para longe pelo corredor.

Nós o seguimos até a enfermaria, e McMurphy parou na porta, separou os pés e inclinou a cabeça para trás para examinar o ambiente; tentou enfiar os polegares nos bolsos, mas as algemas estavam muito apertadas.

– É um quadro e tanto – disse ele pelo canto da boca.

Concordei com a cabeça. Eu já conhecia tudo aquilo antes.

Dois sujeitos que estavam andando pararam para olhar, e o velho ossudo veio, arrastando-se de novo, repetindo que lavava as mãos quanto ao negócio todo. De início; ninguém nos deu muita atenção. Os ajudantes foram para a Sala das Enfermeiras, deixando-nos de pé, ali na porta da enfermaria. O olho de McMurphy estava inchado, de forma que parecia estar permanentemente dando uma piscadela, e eu podia ver que sorrir fazia com que os lábios lhe doessem. Ele levantou as mãos algemadas, ficou olhando em volta e respirou fundo.

– Meu nome é McMurphy, companheiros – disse na sua voz arrastada, típica de ator fazendo papel de vaqueiro. – E a coisa que estou querendo saber é quem é o picareta que controla o jogo de pôquer aqui nesse estabelecimento? – O relógio de pingue-pongue parou num tique-taque rápido no chão. – Eu não jogo vinte-e-um assim muito bem, amarrado desse jeito, mas afirmo que sou fogo no pôquer aberto. – Ele bocejou, deu de ombros, inclinou-se e pigarreou, cuspindo alguma coisa numa lata de lixo a um metro de distância; a coisa matraqueou fazendo ting e ele se endireitou de novo, sorriu e passou a língua no buraco ensangüentado entre os seus dentes. – Tivemos uma briga lá embaixo. Eu e o chefe aqui saímos no tapa com dois macacos!

O barulho de britadeira já havia parado naquela altura, e todo mundo olhava para nós ali na porta. McMurphy atraía os olhares como um apresentador de variedades. Ao lado dele, descobri que era obrigado a ser olhado também e, com as pessoas olhando fixo para mim, senti que tinha de ficar de pé tão ereto e alto quanto pudesse. Aquilo fez com que minhas costas doessem onde eu havia caído no chuveiro com o crioulo agarrado em mim, mas não cedi. Um sujeito de aparência faminta com a cabeça coberta por uma cabeleira negra toda alvoroçada aproximou-se e estendeu a mão como se imaginasse que eu tinha alguma coisa para lhe dar. Tentei ignorá-lo, mas ele ficou andando sempre a minha volta, para onde quer que eu me virasse, como um garotinho, estendendo aquela mão aberta para mim.

McMurphy falou um pouco sobre a briga, e minhas costas começaram a doer cada vez mais; eu me havia encolhido ha minha cadeira no canto durante tanto tempo que era difícil ficar de pé ereto sem sofrer as conseqüências.

Fiquei satisfeito quando uma enfermeirinha japonesa veio para nos levar até a Sala das Enfermeiras e tive uma oportunidade de me sentar e descansar.

Ela perguntou se já estávamos suficientemente calmos para que nos tirasse as algemas e McMurphy assentiu. Ele se afundou na cadeira, com a cabeça caída e os cotovelos entre os joelhos e parecia completamente exausto – não me havia ocorrido que ficar ereto fosse tão difícil para ele quanto para mim.

A enfermeira – mais ou menos tão grande como a menor extremidade de nada apontada numa ponta fina, como McMurphy a descreveu mais tarde – soltou nossas algemas, deu um cigarro a McMurphy e um tablete de chiclete a mim. Disse que se lembrava de que eu mascava chicletes. Não me lembrava absolutamente dela. McMurphy fumou, enquanto ela enfiava a mãozinha cheia de velas de aniversário cor-de-rosa num vidro de ungüento, e cuidava das feridas dele, encolhendo-se quando ele se encolhia e dizendo-lhe que sentia muito. Ela tomou uma de suas mãos nas dela e passou ungüento nas juntas dos dedos.

– Foi Washington ou Warren? McMurphy olhou para ela.

– Washington – disse ele e sorriu. – O chefe aqui tomou conta de Warren.

Ela soltou a mão dele e virou-se para mim. Eu podia ver os ossinhos pequenos de passarinho no rosto dela.

– Está ferido em algum lugar? – Sacudi a cabeça.

– E Warren e Washington?

McMurphy disse que achava que possivelmente estariam exibindo algum gesso da próxima vez que os visse. Ela concordou com a cabeça e olhou para os pés.

– Nem tudo é como a enfermaria dela – disse. – Grande parte é, mas não tudo. Enfermeiras do Exército tentando dirigir um hospital do Exército. Elas mesmas são um pouco doentes. Às vezes acho que todas as enfermeiras solteiras deveriam ser despedidas depois de 35 anos.

– Pelo menos todas as enfermeiras solteiras do Exército - acrescentou McMurphy. Ele perguntou por quanto tempo poderíamos esperar ter o prazer da hospitalidade dela.

– Temo que não por muito tempo.

– Teme que não por muito tempo? – perguntou-lhe McMurphy.

– Sim. Às vezes eu gostaria de manter os homens aqui em vez de mandá-los de volta, mas ela é mais antiga. Não, provavelmente vocês não vão ficar muito tempo… quero dizer… não como estão, agora.

As camas na Enfermaria dos Perturbados são todas incômodas, duras demais ou moles demais. Designaram-nos para camas vizinhas. Não me amarraram com um lençol, embora deixassem uma luzinha fraca acesa perto da cama. No meio da noite alguém gritou:

– Estou começando a girar, índio! Olhe para mim, olhe para mim! – Abri os olhos e vi uma dentadura de longos dentes amarelos cintilando bem na frente do meu rosto. Era o cara de aparência faminta. – Estou começando a girar! Por favor, olhe para mim!

Dois ajudantes o apanharam pelas costas, arrastaram-no, rindo e gritando, para fora do dormitório. – Estou começando a girar, índio! – então apenas o riso. Ele continuou dizendo aquilo e rindo por todo o caminho, corredor abaixo, até que o dormitório ficou em silêncio, e pude ouvir aquele outro que dizia: "bem… lavo as minhas mãos quanto a todo esse negócio".

– Por um segundo você arranjou um amigo ali, chefe – cochichou McMurphy e se virou para o outro lado para dormir.

Não consegui dormir muito durante o resto da noite e ficava vendo aqueles dentes amarelos e aquele rosto faminto daquele cara, pedindo: Olhe para mim! Olhe para mim! Ou, finalmente, quando acabei dormindo, apenas pedindo. Aquele rosto, apenas uma necessidade amarela e faminta, vir aparecendo gradualmente, saída da escuridão, diante de mim, querendo coisas… pedindo coisas. Eu me perguntei como McMurphy podia dormir perseguido por uma centena de rostos como aquele, ou duas centenas, ou um milhar deles.

Eles têm um despertador, lá em cima, na Enfermaria dos Perturbados, para acordar os pacientes. Eles não acendem simplesmente as luzes, como lá embaixo. O despertador toca como um apontador gigante a mostrar alguma coisa horrível. McMurphy e eu nos sentamos de um salto só, quando o ouvimos, e estávamos a ponto de nos deitar novamente quando um alto-falante nos chamou, pedindo que nos apresentássemos na Sala das Enfermeiras. Saí da cama e minhas costas se tinham enrijecido a tal ponto durante a noite que eu mal me podia inclinar; eu sabia, pela maneira como McMurphy se movia, que ele estava tão doído quanto eu.

– Qual é o programa deles para nós agora, chefe? – perguntou. – Pontapés? A roda? Espero que nada de muito extenuante, porque, cara, estou realmente quebrado!

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