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– Use a rosca do travão! – berrou George para mim, mas o que eu sabia sobre roscas de travões era absolutamente nada, assim apenas apertei mais forte com o polegar até que a linha ficou amarela de novo, foi girando cada vez mais devagar e parou. Olhei em volta, e lá estavam todas as outras três varas puxando como a minha. Todos os que estavam sentados saltaram de cima da cabina, diante de toda aquela animação.

– Para cima! Para cima! Mantenham a ponta virada para cima! – berrava George.

– McMurphy! Chegue aqui e venha ver isso.

– Deus te abençoe, Fred, você apanhou o bendito do meu peixe!

– McMurphy, precisamos de ajuda!

Ouvi McMurphy rindo, e o vi pelo canto do olho, de pé ali na porta da cabina, não ensaiando um movimento sequer para fazer alguma coisa, e eu estava ocupado demais, girando a manivela para puxar o meu peixe, para lhe pedir ajuda. Todo mundo gritava para que ele fizesse algo, mas ele não se mexia. Até o médico, que tinha a vara de profundidade, pedia ajuda a McMurphy. E McMurphy apenas ria. Finalmente Harding viu que McMurphy nada ia fazer; assim, ele pegou o arpão e puxou o meu peixe para dentro do barco com um gesto rápido e preciso, como se tivesse estado trazendo peixes para barcos durante a sua vida inteira. Ele é grande como a minha perna, pensei, grande como uma estaca de cerca! Ele é maior do que qualquer peixe que eu já peguei na cachoeira. Está saltando no fundo do barco como um arco-íris enlouquecido! Sangra e solta escamas como moedas de prata. Tenho medo de que salte sobre a amurada. McMurphy não fez um gesto para ajudar. Scanlon agarra o peixe e o vence, impedindo assim que salte a amurada. A garota vem correndo de lá de baixo, grita que é a vez dela, xinga, agarra e puxa a vara e o anzol se enfia em mim umas três vezes, enquanto estou tentando prender um arenque para ela.

– Chefe, quero ser mico se alguma vez na minha vida vi alguma coisa demorar tanto! Oh, seu polegar está sangrando. Aquele monstro mordeu você? Alguém venha rápido fazer um curativo no polegar do chefe… rápido!

– Aqui vamos nós para o meio deles novamente – berra George, e eu solto a linha na popa do barco e vejo o brilho do arenque desaparecer sob o ataque azul-acinzentado de um salmão. A linha desce chiando para dentro dágua. A garota agarra a vara com as duas mãos e cerra os dentes.

– Ah, não, você não vai, danado! Ah, não…

Ela está de pé, com a ponta da vara firme entre as pernas, as mãos apertadas abaixo da carretilha, e a manivela da carretilha fica batendo nela enquanto a linha sei vai desenrolando.

– Ah, não, você não vai!

Ela ainda está com o paletó de Billy, mas a carretilha o abriu de repente, e todo mundo a bordo vê que a camiseta que ela vestia sumiu – todo mundo olhando estupidamente, tentando apanhar o seu peixe, esquivando-se do meu, que se debatia no fundo do barco, com a manivela daquela carretilha agitando o busto dela a tamanha velocidade que o bico é apenas uma mancha vermelha!

Billy salta para ajudar. Tudo que ele pode fazer é estender os braços por trás dela e ajudá-la a apertar mais a vara entre os seios até que afinal a carretilha pára, por nenhuma outra razão a não ser a pressão da sua carne… A esta altura ela está tão tesa e seus seios parecem tão firmes que penso que ela e Billy poderiam ambos soltar as mãos e os braços que ela ainda ficaria segurando aquela vara.

Essa confusão de atividade dura algum tempo – os homens lastimando-se, xingando e tentando cuidar de suas varas enquanto observam a garota; a batalha sangrenta e violenta entre Scanlon e o meu peixe no meio dos pés de todo mundo; as linhas todas emaranhadas, em todas as direções, com os óculos do médico num cordão emaranhado também, e balançando numa das linhas a três metros de distância da popa do barco, os peixes saltando, tentando abocanhar o reflexo luminoso das lentes, e a garota xingando furiosamente e agora olhando para os seios nus, um branco e o outro bem vermelho – e apenas por um segundo George pára de olhar para onde está indo, bate com o barco naquela tora de madeira e desliga o motor.

Enquanto isso McMurphy ri. Balança-se cada vez mais para trás contra o topo da cabina e lança a sua risada para longe através da água – rindo da garota, dos caras, de George, de mim, por estar chupando o meu dedo que sangra, do capitão lá atrás no ancoradouro, do ciclista e dos caras do posto de gasolina e das 5 mil casas e da Chefona e de tudo aquilo. Porque ele sabe que a gente tem de rir das coisas que nos ferem só para nos mantermos equilibrados, só para impedir que o mundo nos enlouqueça de todo. Ele sabe que há um lado doloroso; ele sabe que o meu dedo lateja e que a sua namorada está com um seio machucado, e que o médico está perdendo os óculos, da mesma forma que não deixará que essa graça esconda a dor.

Vejo que Harding, caído ao lado de McMurphy, também está rindo. E Scanlon, no fundo do barco. Rindo deles mesmos tanto quanto de nós. E a garota, com os olhos ainda contraídos de dor, enquanto olha do seio branco para o seio vermelho, começa a rir. E Sefelt e o médico. Todo mundo ri.

Começou devagar e foi aumentando até ficar cheio, fazendo os homens incharem e cada vez maiores. Eu observei, sendo parte deles, rindo com eles, e de alguma forma não estando com eles. Eu estava fora do barco, erguido acima da água e deslizando no ar com aqueles pássaros negros, alto, acima de mim mesmo, e podia olhar para baixo e ver a mim mesmo e aos outros, ver o barco balançando-se ali no meio daqueles pássaros que mergulhavam, ver McMurphy rodeado pelos seus 12 homens, e observá-los, a nós, lançando um riso que ecoava na água, em círculos cada vez maiores, mais distantes e maiores, até estourar nas praias por toda a costa, nas praias de todas as costas, em onda após onda após onda.

O médico apanhara alguma coisa no fundo do mar com a vara de profundidade, e todo mundo no barco, exceto George, havia pescado um peixe e trazido para o barco. Quando o médico conseguiu levantá-la até onde podíamos distingui-las, apenas um vulto esbranquiçado que surgia, para depois mergulhar em direção ao fundo, a despeito de tudo que ele tentava fazer para segurá-lo. Tão logo conseguia trazê-lo novamente para a superfície, levantando e girando a manivela da carretilha, com pequenos grunhidos tensos e teimosos, e recusando qualquer ajuda que os outros pudessem oferecer, o animal via a luz e descia.

George não se deu ao trabalho de dar partida no barco outra vez, mas desceu para nos ensinar como limpar o peixe sobre a amurada e abrir as guelras, de forma que a carne ficasse mais gostosa. McMurphy amarrou um pedaço de carne em cada extremidade de uma corda de um metro, atirou-a no ar e fez dois pássaros barulhentos saírem espiralando, "até que a morte os separe".

Toda a popa do barco e a maioria das pessoas que se encontravam nele estavam salpicadas de vermelho e de prata. Alguns de nós tiramos as camisas e mergulhando-as na água por sobre a amurada, tentamos limpá-las. Fomos passando o dia assim, pescando um pouco, bebendo a outra caixa de cerveja e dando de comer aos pássaros até a tarde, enquanto o barco balançava preguiçosamente nas ondas e o médico lutava com o seu monstro das profundidades. Um vento começou a soprar e agitou o mar em pedaços verdes e prateados, como um campo de vidro e de cromo, e o barco começou a balançar e a jogar mais, com mais força. George disse ao médico que ele teria de puxar logo o seu peixe, ou soltá-lo, porque se aproximava um mau tempo. O médico não respondeu. Apenas ergueu mais a vara, inclinou-se para a frente e puxou a linha, e ergueu de novo.

Billy e a garota haviam subido para a proa e conversavam, olhando para a água. Billy gritou que vira alguma coisa e todos nós corremos para a amurada daquele lado, e uma forma grande e branca estava começando a se tornar sólida a uns três ou quatro metros abaixo. Era estranho observá-la, de início apenas uma coisa levemente colorida, depois uma forma branca sob a água, tornando-se sólida, viva…

– Meu Jesus – exclamou Scanlon – isto é o peixe do doutor!

Estava do lado oposto ao do médico, mas podíamos ver pela direção da linha que ela ia para a forma debaixo dágua.

– Nós nunca conseguiremos trazê-lo para dentro do barco – disse Sefelt. – E o vento está ficando mais forte.

– É um grande linguado – disse George. __ As vezes eles pesam 100 ou mesmo 200 quilos. Vocês têm de puxá-lo para dentro com o guincho.

– Vamos ter de cortar a linha, doutor – disse Sefelt e pôs o braço em volta dos ombros do médico. O médico nada disse; a camisa estava ensopada de suor, e seus olhos brilhantes e vermelhos por estar há tanto tempo sem óculos. Continuou puxando e girando a manivela até que o peixe apareceu do seu lado do barco. Nós o observamos vir aproximando-se da superfície por mais alguns minutos, então começamos a aprontar o cabo e o guincho.

Mesmo com o arpão enfiado nele, ainda levou uma hora para trazermos o peixe para a popa do barco. Tivemos que enganchá-lo com as outras três varas, e McMurphy se inclinou, meteu a mão nas guelras e, com um puxão, o trouxe para dentro, branco, transparente e achatado. Ele caiu no fundo do tombadilho junto com o médico.

– Isto foi uma façanha e tanto – arquejou o médico esparramado no chão, sem força bastante para tirar o peixe de cima dele. – Isto foi… realmente uma façanha e tanto.

O barco jogou e estalou durante todo o caminho de volta para terra, enquanto McMurphy contava histórias terríveis sobre naufrágios e tubarões. As ondas foram ficando maiores à medida que nos aproximávamos da costa, e das cristas das ondas, nuvens brancas de espuma voavam no vento para se juntarem às gaivotas. As vagas na boca do quebra-mar se estavam elevando mais alto que o barco. George nos fez vestir os coletes salva-vidas. Reparei que todos os outros barcos já estavam no porto.

Havia três coletes salva-vidas a menos e houve confusão para se decidir quem seriam os três que desafiariam a entrada da barra sem coletes. Finalmente ficou decidido que seriam Billy Bibbit, Harding e George, que se recusava a usar um por causa da sujeira. Todo mundo ficou um pouco surpreendido por Billy se ter apresentado como voluntário. Tirou o seu colete imediatamente quando descobrimos que não os havia em número suficiente e ajudou a moça a vesti-lo, mas todo mundo ficou mais surpreendido ainda por McMurphy não ter insistido em ser um dos heróis; durante toda a confusão, ele ficou de pé encostado na cabina, equilibrando-se contra o balanço do barco, e observando os outros sem dizer uma palavra. Apenas sorrindo e olhando.

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