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– Claro! – É Billy, que se virou da tela, o rosto coberto de lágrimas. – Claro! – grita ele de novo. – Se tivéssemos c-coragem. Eu poderia ir lá para fora hoje, se tivesse coragem. Minha m-m-mãe é uma ótima amiga da S – Srta. Ratched, eu poderia conseguir que me assinassem minha alta hoje de tarde, se tivesse coragem!

Ele arranca a camisa violentamente do banco e tenta vesti-la, mas está tremendo demais. Afinal, ele a afasta de si e vira-se para McMurphy.

– Você acha que eu que – que – quero ficar aqui? Você acha que eu não queria um con-conversível e uma nah – nah – namorada? Mas alguma vez as pessoas já r – r – riram de você? Não, porque você é tão g – g – grande e duro! Bem eu não sou grande e duro. Nem Harding. Nem o F – Fredrickson. Nem o Suh – Sefelt. Oh – oh, você – você f – fala como se ficássemos aqui porque gostássemos disso! Oh, não, n- não adianta…

Ele começa a chorar e, gaguejando demais para dizer qualquer outra coisa, limpa os olhos com as costas das mãos. Uma das cascas de ferida se solta e, quanto mais ele esfrega os olhos, mais sangue se espalha neles e pelo rosto todo. Então começa a correr cegamente, batendo-se nas paredes do corredor de um lado para o outro, com o rosto transformado numa mancha de sangue, um crioulo bem atrás dele.

McMurphy volta-se para os outros e abre a boca para perguntar uma outra coisa qualquer, mas fecha-a quando vê como eles estão olhando para ele. Fica parado ali um minuto, com aquela fileira de olhos a encará-lo, como uma fila de rebites.

– Que merda – diz ele afinal, mas de uma maneira assim, meio fraca, e torna a botar o gorro e o puxa com força, voltando em seguida para o seu lugar no banco.

Os dois técnicos voltam do café e tornam a entrar na sala defronte, no corredor; quando a porta se abre com um ruído de vento, pode-se sentir um cheiro ácido no ar, como quando eles recarregam uma bateria. McMurphy continuava sentado ali, olhando para aquela porta.

– Acho que não sou capaz de entender isso direito na minha cabeça…

* * *

No caminho de volta para a enfermaria, McMurphy deixou-se ficar para trás no fim do grupo, com as mãos nos bolsos do pijama e o gorro bem enfiado na cabeça, meditando, com o cigarro apagado. Todo mundo se mantinha bem quieto. Haviam acalmado Billy, e ele seguia na frente do grupo, com um crioulo de um lado e o branco da Sala de Choque do outro.

Eu fui diminuindo os passos até que fiquei ao lado de McMurphy. Queria dizer-lhe que não se preocupasse, que nada podia ser feito, pois eu notava que ele tinha na cabeça alguma idéia que o incomodava, assim como um cachorro que se preocupa com um buraco sem saber o que há dentro dele, uma voz dizendo "cachorro, este buraco não é da sua conta – é grande e escuro demais, e há um rastro no lugar que lembra um urso, ou algo até pior". E uma outra voz, vindo, como um murmúrio penetrante, longínquo, do atavismo de sua raça, não uma voz esperta, nada de esperto ou dissimulado nela, dizendo "procure-o, cachorro, procure-o!".

Eu queria dizer a ele que não se preocupasse com aquilo, e realmente estava prestes a me expor, quando ele levantou a cabeça, empurrou o gorro para trás e correu para onde o crioulo menor ia andando, deu-lhe um tapinha no ombro e lhe perguntou:

– Cara, que tal darmos uma passada ali na cantina, um segundo para eu apanhar um ou dois pacotes de cigarros?

Tive de me apressar para apanhá-los, e a corrida fez meu coração bater num tom alto e excitado. Mesmo na cantina eu ainda ouvia aquele som que meu coração havia batido, ecoando na minha cabeça, embora ele já tivesse voltado a seu ritmo normal. O som me fez lembrar de como eu costumava me sentir de pé, na noite fria de sexta-feira de outono, lá fora no campo de futebol, esperando que a bola fosse chutada e o jogo começasse. O ecoar ia aumentando, aumentando, até que eu achava que não conseguiria mais ficar parado. Então, o chute vinha, o eco desaparecia e o jogo continuava. Senti aquele mesmo ecoar de sexta-feira à noite, naquele momento, e senti a mesma impaciência selvagem batendo num ritmo acelerado. E eu também estava vendo tudo penetrante e aguçadamente, da maneira como eu via antes de um jogo e como vi, ao olhar pela janela do dormitório, há algum tempo: tudo estava bem delineado, claro e sólido. Já me havia esquecido que podia ser. Fileiras de pasta de dentes e cordões de sapatos, fileiras de óculos escuros e de canetas esferográficas com garantia de escrever a vida inteira na manteiga debaixo dágua, todas guardadas contra larápios por uma corporação de ursos de olhos grandes, sentados no alto, numa prateleira sobre o balcão.

McMurphy foi andando para o balcão, ao lado, num passo ritmado, e enfiou os polegares nos bolsos. Pediu à vendedora dois pacotes de Marlboro.

– Talvez três – disse, sorrindo para ela. – Estou planejando fumar um bocado.

O ecoar não parou até a sessão daquela tarde. Eu estava ouvindo sem prestar muita atenção, enquanto eles trabalhavam em cima de Sefelt, para fazer com que ele enfrentasse as realidades dos seus problemas, de forma que pudesse se ajustar ("É o Dilantin! – grita ele afinal. – Ora, Sr. Sefelt, se quer ser ajudado, deve ser honesto – diz ela. – Mas tem que ser o Dilantin que faz isso; ele não faz as minhas gengivas ficarem moles? – Ela sorri. – Sim, você tem quarenta e cinco anos…"), quando por acaso olhei para McMurphy no seu canto. Não brincava com o baralho nem cochilava em cima de uma revista como vinha fazendo durante todas as sessões nas últimas duas semanas. E não se afundara na cadeira. Estava sentado, com uma expressão excitada no rosto, enquanto olhava de um lado para outro, de Sefelt para a Chefona. Enquanto eu olhava, o eco ia ficando mais alto. Seus olhos eram fendas azuis sob aquelas sobrancelhas claras, e dardejavam de um lado para o outro, da mesma maneira como ele observava as cartas numa mesa de pôquer. Eu tinha certeza de que a qualquer minuto ele ia tentar alguma coisa maluca que o faria com toda certeza subir para a Enfermaria dos Perturbados. Já vira a mesma expressão antes no rosto de outros, antes de eles se atirarem em cima de um crioulo. Agarrei-me ao braço da minha cadeira e esperei, com medo de que acontecesse, e comecei a me dar conta de que estava com uma ponta de medo que não acontecesse.

Ele continuou quieto, observando, até que tivessem acabado com o problema de Sefelt; então se virou na cadeira na direção de Fredrickson que, tentando de alguma maneira vingar-se deles por causa do jeito como haviam massacrado o amigo, reclamou em voz alta durante alguns minutos sobre os cigarros serem mantidos na Sala das Enfermeiras. Fredrickson disse tudo o que tinha a dizer e finalmente corou, pediu desculpas, como sempre, e tornou a se sentar. McMurphy ainda não tomara qualquer atitude. Relaxei a mão que estivera presa ao braço da cadeira e cheguei a pensar que me havia enganado.

Só restavam mais uns dois minutos de sessão. A Chefona dobrou seus papéis e os colocou na cesta, que em seguida tirou do colo para o chão. Deixou então seus olhos se dirigirem para McMurphy, só por um segundo, como se quisesse verificar se ele se mantinha acordado e ouvindo. Cruzou as mãos no colo, olhou para os dedos e suspirou, sacudindo a cabeça.

– Rapazes, pensei muito no que vou dizer. Já falei a respeito disso com o médico e com o resto do pessoal e, por mais que o lamentássemos, todos nós chegamos à mesma conclusão de que deve haver alguma espécie de punição a ser aplicada ante o comportamento intolerável com relação aos trabalhos de limpeza, há três semanas. – Levantou a mão e olhou em volta. – Nós esperamos todo esse tempo para dizer alguma coisa, na esperança de que vocês mesmos tomassem a iniciativa de se desculparem pela maneira rebelde como agiram. Mas nenhum de vocês demonstrou o menor sinal de arrependimento.

A mão dela subiu de novo para deter quaisquer interrupções que pudessem surgir – o movimento de um ledor de cartas de Tarot dentro de uma caixa numa arcada de vidro.

– Por favor, compreendam. Nós não impomos a vocês certas regras e restrições sem antes pensar muito sobre seu valor terapêutico. Muitos de vocês estão aqui porque não conseguiram ajustar-se às regras da sociedade no mundo exterior, porque se recusaram a enfrentá-las, porque tentaram contorná-las ou evitá-las. Em alguma ocasião, talvez na infância, pode ter sido permitido a vocês saírem impunemente do descumprimento das regras da sociedade. Quando violaram uma regra sabiam disso. Queriam ser punidos, precisavam disso, mas a punição não veio. Essa benevolência idiota por parte de seus pais pode ter sido o germe que cresceu, transformando-se na doença atual. Eu lhes digo isso esperando que venham a compreender que é inteiramente para o bem de vocês que tornamos obrigatório o cumprimento da disciplina e da ordem.

Com um movimento circular de cabeça, percorreu toda a sala. O pesar pela tarefa que tem de cumprir naquele momento está estampado em seu rosto. O silêncio seria completo, se não fosse aquele ecoar febril e delirante na minha cabeça.

– É difícil impor disciplina neste ambiente – continuou. – Devem ser capazes de ver isso. Que é que podemos fazer com vocês? Não podem ser presos. Não podem ser postos a pão e água. Devem ver que o pessoal tem um problema; que é que podemos fazer?

Ruckly teve uma idéia do que eles podiam fazer, mas ela não prestou atenção àquilo. O rosto se moveu com um ruído como o de um relógio, até que as feições assumiram uma outra expressão. Finalmente ela respondeu à própria pergunta:

– Temos de tirar-lhes um privilégio. E depois de um exame cuidadoso das circunstâncias desta rebelião, decidimos que haveria uma certa justiça em tirar o privilégio da Sala da Banheira que vocês vêm usando para jogar cartas durante o dia. Isto parece injusto?

A cabeça dela não se moveu. Ela não olhou. Mas, um por um, todos os outros olharam para ele, sentado no seu canto. Até os velhos Crônicos, querendo saber por que todo mundo se havia virado para olhar na mesma direção, esticaram os pescoços encarquilhados como pássaros, e olharam para McMurphy – rostos voltados para ele, cheios de uma esperança visível e assustadora.

Aquela única nota frágil que ressoava na minha cabeça era como pneus cantando no asfalto.

Ele estava sentado bem ereto na cadeira, seu grande dedo vermelho coçava preguiçosamente as marcas dos pontos no nariz. Sorriu para todo mundo que olhava para ele, pegou o gorro pela aba e o levantou polidamente. Em seguida, tornou a olhar para a enfermeira.

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