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Olhando para os lados do cemitério, avisto um túmulo recente, é o túmulo da mulher de um vigia, que morreu na semana passada. Um maço vagabundo de flores murchas está em cima. O guarda do cemitério é um velho forçado meio cego que chamam de Papá. file passa o dia inteiro sentado à sombra de um coqueiro no canto oposto do cemitério e, de onde está, não dá para ele ver o túmulo nem para ver se alguém chega perto. Então, reflito sobre a idéia de me servir desse túmulo para montar a jangada e meter dentro da armação feita pelo marceneiro o maior número possível de cocos. Mais ou menos uns trinta a 34 cocos, muito menos do que se pensava. Espalhei mais de cinqüenta em diferentes lugares. Só no quintal de Juliette tem uma dúzia. O moço de serviços vai pensar que eu os armazenei assim para um dia fazer óleo de coco.

Quando fico sabendo que o marido da morta foi embora para a Terra Grande, resolvo esvaziar uma parte da terra do túmulo, até a altura do caixão.

Matthieu Carbonieri, sentado em cima de uma parede; fica de sentinela. Na cabeça pôs um lenço branco com quatro nós nos cantos. Junto dele está um lenço vermelho, também com quatro nós. Enquanto não houver perigo, ele fica com o branco. Se aparecer alguém, quem quer que seja, ele põe o vermelho.

Esse trabalho muito arriscado não me leva mais do que uma tarde e uma noite. Não tenho que tirar terra até o caixão, porque fui obrigado a alargar o buraco para que ele tenha a largura da jangada: 1 metro e 20 mais uma folga. As horas me pareciam intermináveis e o gorro vermelho apareceu várias vezes. Afinal, hoje de manhã acabei. O buraco está coberto de folhas de coqueiro trançadas, que formam uma espécie de assoalho bem resistente. Por cima, uma pequena camada de terra. Quase não se vê. Meus nervos estão a ponto de estourar.

Já faz três meses que está em andamento esta preparação de fuga. Amarrados e numerados, tiramos os paus do esconderijo. Repousam sobre o caixão da dona, bem escondidos debaixo da terra que recobre as esteiras. Na cavidade da parede pusemos três sacos de farinha e uma corda de 2 metros para a vela, um garrafão cheio de fósforos e de coisas para riscá-los, uma dúzia de latas de leite, e é só.

Bourset está cada vez mais excitado. Até parece que é ele que vai embora e não eu. Naric está arrependido de não ter dito que ia também, no começo. Era só planejar uma jangada para três, em vez de dois.

Estamos na temporada das chuvas, chove todo dia, o que favorece as minhas idas ao túmulo onde eu quase já acabei de montar a jangada. Faltam as duas peças laterais do esqueleto. Aos poucos fui trazendo os cocos para mais perto do jardim do meu amigo. Podem ser apanhados facilmente e sem perigo no viveiro descoberto dos búfalos. Nunca meus amigos me perguntam em que ponto está o negócio. Apenas de vez em quando me dizem: “Tudo bem?” – “Sim, tudo bem.” – “Demora, não?” – “Não dá para andar mais depressa sem arriscar demais.” Só isso. Eu estava levando os cocos depositados na casa de Juliette, ela viu e me deu um medo enorme.

– Então, Papillon, vai sair esse óleo de coco? Por que você não faz aqui no quintal? Você tem um martelo para abrir os cocos e eu emprestaria um caldeirão para você pôr a polpa.

– Prefiro fazer o óleo no campo.

– Esquisito, no campo deve ser mais complicado.

Depois pensa um instante e acrescenta:

– Quer saber de uma coisa? Não acredito que você, logo você, vá fazer óleo de coco.

Fico gelado. Ela continua:

– Em primeiro lugar, por que você iria fazer isso, se eu posso lhe dar quanto óleo de oliva você quiser? Esses cocos são para outra coisa, não é?

Fico suando em bagas, desde que ela começou a falar, e só espero que pronuncie a palavra “fuga”. Fico sem fôlego; Digo a ela:

– Comandanta, é um segredo, mas vejo que a senhora está tão interessada e curiosa, que vai acabar descobrindo a surpresa que eu queria lhe fazer. Mas só vou lhe dizer que eu escolhi esses grandes cocos para esvaziar a polpa deles e depois fabricar um objeto muito bonito para lhe presentear. Eis a verdade.

Consegui despistá-la, pois ela responde:

– Papillon, não quero lhe dar trabalho, e principalmente eu proíbo você de gastar dinheiro para me fazer qualquer coisa de especial. Agradeço sinceramente, mas não o faça, eu lhe peço.

– Bem, vou ver.

Ufa! E imediatamente peço a ela para tomar um licor, iniciativa que nunca tomo. Ela não percebe minha atrapalhação, felizmente. Deus está do meu lado.

Todo dia chove, sobretudo de tarde e de noite. Fico com medo de que a água se infiltre na fina camada de terra e deixe a descoberto as esteiras de coqueiro. Matthieu continuamente repõe a terra que escorreu. Por baixo, o troço deve estar alagado. Com a ajuda de Matthieu, tiro as esteiras: a água quase escondeu o caixão, o momento é crítico. Perto há o túmulo de duas crianças mortas muito tempo atrás. Um dia, descerramos a laje, entro dentro e, com uma barra curta, ataco o cimento, o mais baixo possível, do lado do túmulo da jangada. Uma vez quebrado o cimento, assim que enfio a barra na terra, a água jorra forte. A água escorre do outro túmulo e entra no buraco. Saio para fora quando ela já me chega aos joelhos. Recolocamos a laje e a calafetamos com uma massa branca que Naric me arranjou. Esta operação reduziu a água à metade no nosso túmulo-esconderijo. À noite, Carbonieri me diz:

– Não acabam nunca os problemas que temos com essa fuga.

– Já estamos quase no fim, Matthieu.

– Quase, espero.

É verdade que estamos como que pisando sobre brasas.

De manhã, desci até o cais. Pedi a Chapar para me comprar 2 quilos de peixe, voltarei para buscá-los ao meio-dia. Combinado. Volto ao jardim de Carbonieri. Assim que chego perto, vejo três capacetes brancos. Por que há três guardas no jardim? Estão fazendo uma revista? Isso é novidade. Eu nunca tinha visto três vigias duma só vez no jardim. Espero mais de uma hora e não agüento mais. Resolvo avançar, para ver o que está acontecendo. De cara, vou diretamente pelo caminho que leva ao jardim. Os guardas me olham chegar. Estou desconfiado, estou a uns 20 metros deles, aí Matthieu põe seu lenço branco na cabeça. Respiro aliviado e consigo me refazer antes de chegar até o grupo.

– Bom dia, senhores vigilantes. Bom dia, Matthieu. Vim buscar o mamão que você me prometeu.

– Sinto muito, Papillon, mas me roubaram o seu mamão hoje de manhã, quando eu fui buscar as varetas para a minha trepadeira de ervilhas. Mas daqui a quatro ou cinco dias vai ter mais mamão maduro, já estão amarelando. E os senhores, seus guardas, não querem umas alfaces, uns tomates, rabanetes para levar para as suas senhoras?

– Você cuida bem do seu jardim, Carbonieri, parabéns – diz um deles.

Eles aceitam tomates, alfaces e rabanetes e vão embora. Eu voa embora ostensivamente um pouco antes deles, levando umas alfaces.

Passo pelo cemitério. O túmulo está meio descoberto pela chuva que lavou a terra. A dez passos já dá para eu ver as esteiras. Deus está mesmo do nosso lado, se não nos descobriram depois dessa. O vento sopra feito louco toda a noite, varrendo o planalto da ilha com rugidos raivosos, muitas vezes junto com chuva. É o tipo do tempo ideal para partir, mas não para o túmulo.

A maior de todas as tábuas, a de 2 metros, chegou sã e salva a seu domicílio. Foi juntar-se às outras peças da jangada. Eu até já montei a peça: ela se encaixou maravilhosamente, sem dificuldade nenhuma, nas chanfraduras. Bourset chegou ao campo correndo, para saber se eu recebi essa peça de importância primordial, mas um bocado grande para transportar. Fica todo contente ao saber que tudo deu certo. Até parecia que ele duvidava que ela pudesse chegar a seu destino. Procuro saber alguma coisa através dele:

– Você tem dúvidas? Acha que alguém está percebendo? Contou alguma coisa a alguém? Responda.

– Não, não e não.

– No entanto, você me dá a impressão de que alguma coisa o preocupa. Fale.

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