– Tenha calma, Papillon! Pode contar com os amigos, não te faltará nada na reclusão. Qual foi o teu prêmio?
– Dois anos.
– Certo, passa logo e depois você virá para cá com a gente; vai ver, aqui não é ruim.
– Obrigado, Chapar. E Dega?
– É contador lá em cima. Estranho que não esteja aqui. Vai lastimar não ter encontrado você.
Neste momento chega Galgani. Vem na minha direção, o guarda quer impedir que passe, mas ele passa assim mesmo:
– Não vão me impedir de abraçar o meu irmão, não, mas onde já se viu!
Diz, ao me abraçar:
– Conte comigo.
Antes de se retirar, eu digo:
– O que está fazendo?
– Cuido da correspondência.
– E como se sente?
– Estou tranqüilo.
Os últimos desembarcaram e se juntaram à gente. Tiram as nossas algemas. Titi la Belote, Berac e alguns desconhecidos se afastam do grupo. Um guarda diz para eles:
– Agora vamos subir até o campo.
Cada um deles tem um saco de forçado com as suas coisas. Cada um bota o saco nas costas e todos vão seguindo por um caminho que deve levar até o alto da ilha. O comandante das ilhas chega acompanhado por seis guardas. Fazem a chamada. Ele recebe o comboio completo. Nossa escolta vai embora.
– Onde está o contador? pergunta o comandante.
– Está chegando, chefe.
Vejo Dega chegar, bem vestido, de branco, com um paletó de botões acompanhado por um guarda; cada um vem trazendo um grande livro debaixo do braço. Os dois tiram os homens das fileiras, um por um, com suas novas classificações:
– Você, recluso fulano, matrícula de transportado número X, terá a matrícula de reclusão Z.
– Quanto?
– X anos.
Quando chega a minha vez, Dega me abraça demoradamente. O comandante vem se aproximando.
– Ele é o Papillon?
– Sim, meu comandante responde Dega.
– Comporte-se bem na reclusão. Dois anos passam rápido.
A RECLUSÃO
Uma canoa está pronta. Dos dezenove condenados, dez vão na primeira viagem. Sou chamado para partir. Friamente, Dega diz: “Não, esse aqui vai na última viagem”.
Desde que cheguei, estou espantadíssimo de ver a maneira de falar dos presos. Não se sente disciplina alguma, eles parecem não ligar para os guardas. Falo com Dega, que se colocou a meu lado. Ele já conhece toda a minha história, a história da minha fuga. Homens que estiveram comigo em Saint-Laurent vieram para as ilhas e lhe contaram tudo. Não chora por mim, é muito arguto. Comenta, em uma única frase, dita com todo o coração: “Merecias ter conseguido, calhorda. Mas fica para a próxima”. Não chega sequer a me desejar coragem. Sabe que eu a tenho.
– Estou como encarregado geral dos serviços de intendência e me dou muito bem com o comandante. Comporte-se bem lá na reclusão, mandarei cigarros e comida, não faltará nada.
– Papillon, vamos! – é a minha vez.
– Até a volta, para todos. Obrigado pelo que disseram.
Embarco na canoa. Vinte minutos depois, chegamos a Saint-Joseph. Tive tempo de observar que há somente três guardas armados a bordo, para seis forçados que remam e dez presos condenados à reclusão. Seria mole comandar a tomada desse barco. Em Saint-Joseph nos espera um comitê de recepção. Somos apresentados a dois comandantes: o comandante da penitenciária da ilha e o comandante da reclusão. A pé, algemados, percorremos o caminho que sobe para a reclusão. Não há nenhum forçado em nosso trajeto. Entramos por uma grande porta de ferro, encimada por duas palavras: “Reclusão disciplinar”. Compreendemos logo o que há de sério naquela casa. A porta e os quatro muros altos que nos circundam ocultam, antes de mais nada, um pequeno prédio onde se lê: “Administração-Direção”. E mais três outros prédios: A, B e C. Somos levados ao prédio da direção e entramos numa sala fria. Dispostos em duas filas, ouvimos, os dezenove, o que nos diz o comandante da reclusão:
– Prisioneiros, vocês sabem que essa casa é urna casa de castigo para as faltas cometidas pelos condenados. Aqui, não tentamos corrigi-los, porque sabemos que isso seria inútil. Queremos é domar vocês. Aqui há só uma regra: bico calado. Silêncio absoluto. Qualquer comunicação entre as celas é arriscada: pode dar uma punição bastante dura. Se vocês não estiverem gravemente doentes, não peçam médico, pois uma chamada injustificada resulta em castigo. É tudo o que eu tenho para dizer. Ah, e é rigorosamente proibido fumar! Pronto, guardas, revistem bem cada um deles e coloquem cada um em uma cela. Charrière, Clousiot e Maturette não devem ficar num mesmo prédio. O senhor é pessoalmente responsável por isso. Sr. Santori.
Dez minutos depois, estou trancado na minha cela, a 234 do prédio A. Clousiot está no B e Maturette no C. Despedimo-nos com o olhar. Entrando aqui, compreendemos logo, todos, que para sair vivo é preciso obedecer a esse regulamento desumano. Vejo-os serem levados, meus companheiros desta fuga tão longa, camaradas firmes e corajosos, que me acompanharam com valor e nunca chorarão nem lamentarão o que fizeram na minha companhia. Após catorze meses de luta lado a lado, pela conquista da nossa liberdade, meu coração se contrai, pois estamos ligados por uma amizade sem limites.
Examino a cela onde me fizeram entrar. Nunca eu teria podido supor ou imaginar que num país como o meu – a França, mãe da liberdade no mundo inteiro, terra que deu à luz os direitos do homem e do cidadão – pudesse haver, mesmo na Guiana Francesa, numa ilha perdida do Atlântico, do tamanho de um lenço de bolso, uma instalação tão barbaramente repressiva como a da reclusão da Ilha de Saint-Joseph. Imaginem vocês cinqüenta pequenas celas, lado a lado, cada uma delas com os fundos pegados aos fundos de uma outra cela, todas igualmente cercadas por quatro paredes muito espessas com uma única abertura: a de uma pequena porta de ferro, com seu visor. Embaixo de cada visor, a inscrição pintada na porta: “Proibido abrir esta porta sem ordem superior”. À esquerda, uma placa de madeira embutida na parede com uma almofada de madeira, abrindo e fechando de acordo com o mesmo sistema de Beaulieu. Um pano para coberta, um bloco de cimento num canto, ao fundo, servindo de banquinho. Uma vassourinha, uma caneca de soldado e uma colher de pau. Uma placa vertical de ferro, ocultando uma bacia metálica, presa a ela por uma corrente (pode-se puxá-la para fora a fim de usá-la como latrina ou mergulhá-la dentro a fim de esvaziá-la). A 3 metros de altura, à guisa de janela, uma abertura com enormes barras de ferro, grossas como trilhos, cruzadas de tal maneira que não deixam passar volume algum. Mais alto, a cerca de 7 metros do chão, o verdadeiro teto do prédio. Por cima das celas, na linha que junta os fundos de umas aos fundos das outras, um caminho de ronda, com mais ou menos 1 metro de largura e uma rampa de ferro. Dois vigias caminham incessantemente de cada uma das extremidades até a metade do caminho, onde se encontram e fazem meia volta. A impressão é horrível. A claridade do dia chega bem até a passarela dos guardas, mas, dentro de cada cela, mesmo em pleno dia, a gente mal consegue enxergar. Começo logo a andar pelo meu cubículo, esperando o apito (ou algo que o valha) para abrir a cama. Para não fazer barulho algum, tanto os prisioneiros como os guardas ficam de meias. Penso imediatamente: “Aqui, na cela 234, Charrière, também chamado Papillon, condenado a uma pena de dois anos, ou melhor, de 730 dias, tentará viver sem ficar maluco. Cabe-lhe desmentir o apelido que deram a esta reclusão de ‘devoradora de homens’”.
Um, dois, três, quatro, cinco, meia volta. Um, dois, três, quatro, cinco, meia volta. O guarda acaba de passar diante do meu cubículo. Não o ouvi passar, mas o vi. Pam! A luz se acende, mas muito alta, suspensa a mais de 6 metros, lá fora, no teto do prédio. A passarela fica iluminada, as celas permanecem no escuro. Começo a andar, o pêndulo está outra vez em movimento. Durmam tranqüilos, docinhos do júri que me condenou. Durmam tranqüilos. Se vocês soubessem para onde me mandaram, acho que se recusariam com um gesto de repulsa a serem cúmplices da aplicação de um castigo assim. Vai ser muito difícil escapar às vagabundagens da imaginação. Quase impossível. Suponho que talvez seja melhor aceitá-las e orientá-las para temas que não sejam demasiado deprimentes ao invés de tentar suprimi-las completamente.