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– Você ameaçou, em seu nome e no dos seus companheiros, matar o cabo dos presos se ele batesse num de vocês. É verdade?

– É verdade, e vocês têm que nos levar a sério. Mas também disse a ele que não daríamos qualquer pretexto para justificar um castigo corporal. O senhor sabe, capitão, que nenhum tribunal nos condenou, pois não cometemos nenhum delito na Venezuela.

– Nada sei a respeito. Vocês chegaram no campo sem qualquer papel, apenas com uma nota do diretor que está na aldeia: “Pôr esses homens para trabalhar assim que chegarem”.

– Pois, senhor capitão, já que é militar, deve ser bastante justo para, enquanto aguarda a chegada dos chefes, dar ordem aos soldados para nos darem um tratamento diferente do que dão aos outros presos. Afirmo mais uma vez que não somos nem podemos ser condenados, porque não cometemos nenhum delito na Venezuela.

– Vou dar ordens nesse sentido. Espero que não tenham me enganado.

Tenho tempo de observar os presos toda a tarde desse primeiro domingo. A primeira coisa que me espanta é que todos estão bem de saúde. Em segundo lugar, as pancadas se tornaram tão rotineiras, que eles se acostumaram com elas; hoje, por exemplo, domingo, dia de descanso, em que poderiam facilmente evitar as bordoadas comportando-se bem, parece que eles encontram um prazer masoquista em brincar com o fogo. Não param de fazer coisas proibidas: jogar dados, ter contato sexual com uns jovens nas privadas, roubar um companheiro, dizer obscenidades às mulheres que vêm da aldeia trazer doces ou cigarros aos presos. Elas também fazem trocas. Uma cesta trançada, um objeto esculpido, por algum dinheiro ou pacotes de cigarros. Pois bem, há alguns presos que dão um jeito de pegar através do arame farpado aquilo que a mulher oferece para vender e saem correndo sem lhe entregar o objeto negociado, escondendo-se no meio dos outros. Conclusão: os castigos corporais são aplicados tão indiscriminadamente e por motivos fúteis, que o couro dos presos está completamente curtido pelos chicotes; reina o terror no campo de concentração, sem qualquer benefício para a ordem ou a sociedade, e a brutalidade de nada serve para reeducar esses desgraçados.

Contudo, a reclusão na Ilha de Saint-Joseph, com o seu silêncio obrigatório, é bem mais terrível do que isto. Aqui, o medo é momentâneo e o fato de poder conversar à noite, fora das horas de trabalho, bem como a alimentação, rica e abundante, permitem que um homem chegue ao fim da sua pena, que em nenhum caso pode ultrapassar cinco anos.

Passamos o domingo fumando e tomando café, sempre conversando só entre nós. Alguns colombianos se aproximam, mas nós os afastamos, com boas maneiras porém com firmeza. É preciso que nos considerem prisioneiros à parte, do contrário estamos fritos.

No dia seguinte, segunda-feira, às 6 horas, depois de haver comido fartamente, vamos para o trabalho com os outros. Eis como se prepara o trabalho: duas fileiras de homens, frente a frente, cinqüenta prisioneiros, cinqüenta soldados. Um soldado para cada preso. Entre cada fileira, cinqüenta ferramentas: picaretas, pás ou machados. As duas filas de homens se observam: os prisioneiros, angustiados, e os soldados, nervosos e sádicos.

O sargento grita: “Fulano, picareta!”

O desgraçado se abaixa às pressas e, no momento em que agarra a picareta para lançá-la ao ombro e partir correndo para o trabalho, o sargento grita: “Número”, o que eqüivale a dizer: “Soldado, um, dois, etc.” O soldado pula atrás do coitado e’ o açoita com seu nervo de boi. Essa cena horrorosa repete-se duas vezes por dia. No caminho entre o campo e o local de trabalho, a gente tem a impressão de que são tropeiros, tocando seus burros a chicote.

Estávamos gelados de pavor e apreensivos, aguardando a nossa vez. Felizmente, conosco foi diferente.

– Os cinco caienenses, por aqui! Os mais moços peguem estas picaretas e vocês, os mais velhos, estas duas pás.

Sem correr mas em marcha batida, vigiados por quatro soldados e um cabo, vamos para o campo de trabalho, uma clareira na floresta. Esta jornada foi mais longa e mais desesperadora que a primeira. Alguns homens especialmente manjados, no limite das suas forças, gritavam como loucos e imploravam de joelhos que não lhes batessem mais. À tarde, deviam limpar os restos de uma queimada, juntando numa só pilha os tocos e os galhos ainda fumegantes. Outros deviam roçar atrás deles. E, assim, umas oitenta ou cem fogueiras já quase consumidas deviam se transformar num único braseiro no centro do campo. A golpes de nervo de boi, cada soldado espancava seu prisioneiro para que recolhesse os resíduos e os levasse correndo para o meio da área. Essa corrida diabólica provocava em alguns deles verdadeira crise de loucura e, na sua precipitação, eles agarravam às vezes os galhos pelas pontas ainda em brasa. As mãos queimadas, estupidamente açoitados, pisando descalços sobre galhos ou brasas ainda fumegantes, essa fantástica cena durou três horas. Nenhum de nós foi convidado a participar da limpeza dessa clareira recém-desmoitada. Foi melhor assim, porque havíamos decidido, trocando curtas frases, sem levantar a cabeça, enquanto trabalhávamos na enxada, que saltaríamos sobre os cinco praças, inclusive os cabos, que os desarmaríamos e daríamos tiros nessa súcia de brutos.

Hoje, terça-feira, não saímos para o trabalho. Fomos chamados ao escritório dos dois majores da guarda nacional. Os dois oficiais estão muito surpresos por estarmos em El Dorado sem qualquer documento que comprove a decisão de algum tribunal. De qualquer maneira, eles nos prometem pedir amanhã explicações ao diretor da colônia penal.

Não demorou muito. Esses dois majores da guarda da penitenciária são certamente muito severos, pode-se mesmo dizer que exageram na repressão, mas são corretos, pois exigiram que o diretor da colônia viesse pessoalmente nos dar explicações.

Aqui está ele, diante de nós, acompanhado pelo seu cunhado, Russian, e pelos dois oficiais da guarda nacional.

– Franceses, eu sou o diretor da colônia de El Dorado. Vocês quiseram falar comigo. Que desejam?

– Em primeiro lugar, qual foi o tribunal que, sem nos ouvir, nos condenou a cumprir uma pena nesta colônia de trabalhos forçados? Por quanto tempo e por qual delito? Chegamos por mar a Irapa, na Venezuela. Não cometemos o menor delito. Então, o que estamos fazendo aqui? E como se justifica que sejamos obrigados a trabalhar?

– Em primeiro lugar, estamos em guerra. Portanto, precisamos saber exatamente quem vocês são.

– Muito bem, mas isto não justifica a nossa incorporação neste presídio.

– Vocês são fugitivos da justiça francesa. Por isso, precisamos saber se vocês estão sendo reclamados por ela.

– Certo; mas volto a insistir: por que nos trata como se tivéssemos uma pena a cumprir?

– Por enquanto, vocês estão aqui devido a uma lei sobre vagabundos e meliantes; vocês estão aqui em depósito, aguardando esclarecimentos e documentação.

A discussão poderia ter durado muito tempo, se um dos oficiais não houvesse dado a sua opinião e resolvido o caso:

– Diretor, honestamente, não podemos tratar esses homens como os outros presos. Sugiro que, enquanto Caracas não está a par do assunto, encontremos um meio de empregá-los em outra coisa que não seja a construção da estrada.

– São homens perigosos. Eles ameaçaram matar o cabo de presos se este batesse neles. É ou não é verdade?

– Sim, senhor diretor, não somente o ameaçamos, mas qualquer um que queira se divertir batendo em nós será assassinado…

– E se for um soldado?

– A mesma coisa. Nada fizemos para ter de agüentar um regime desses. Nossas leis e nossos regimes penitenciários são talvez mais horríveis e desumanos que os seus, mas sermos esbordoados como animais é uma coisa que não podemos aceitar.

O diretor, virando-se triunfalmente para os oficiais, diz:

– Os senhores vêem que esses homens são muito perigosos!

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